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quarta-feira, 2 de março de 2011

A dimensão cultural das artes marciais


Albano Pedro


Por artes marciais entende-se o conjunto de técnicas coordenadas com vista ao domínio das habilidades físicas e psíquicas que proporcionam a capacidade de defesa pessoal ao seu praticante. A sua origem mais identificada com o étimo da palavra deveu-se efectivamente as guerras travadas entre os povos, ao longo da evolução histórica do extremo oriente. Conta-se que há milhares de anos A.C um monge terá feito uma peregrinação da índia para china com vista a apregoar ensinamentos religiosos e que ao longo da jornada terá feito uso de uma forma de luta para se defender dos assaltantes então conhecida como Ken Fat que se popularizou entre os seus discípulos vindo a evoluir para o Kung Fu (que quer dizer o caminho das mãos vazias) significado este que veio a identificar os seus equivalentes japonês (Karaté-dó) e coreano (Tang Soo Do). A partir do primitivo Ken Fat os povos da China, Coreia e Japão terão desenvolvido vários sistemas de combate corpo-a-corpo que sobreviveram aos dias de hoje sob várias formas de expressão. Modernamente contam-se mais de um milhão de artes marciais identificadas em todo o mundo em geral agrupadas em sistemas. Só o Kung Fu (sistema de artes marciais chinesas conhecido por ter sido praticado e desenvolvido pelo lendário Bruce Lee) comporta mais de 300 estilos de artes marciais, o karaté-dó como um dos sistemas de artes marciais mais populares integra estilos como Shotokan, Goju-ryu, Shito-ryu, Wado-ryu, etc. Os próprios americanos evoluíram do karaté-do estilos livres como o Full Contact, Street Fight, etc. 


Existem já muitos sistemas de artes marciais pelo mundo como a Capoeira (Angola e Brasil), Savaté (França), Muai Thai (Tailândia), Full Contact (Estados Unidos da América), etc. Contudo, os sistemas de artes marciais mais populares concentram-se na China (Kung Fu, Tai Chin Chua entre outras), Coreia (Taekwondo, Hapkido, Tang Soo Do, Kempo, Taekywon, etc) e Japão (Judo, Jiu-jitsu, Aikijiujitsu, Aikido, Karaté-dó, Kendo, Ninjitsu, etc.). O Japão pela supremacia militar que teve em relação aos outros dois países aos quais ocupou por longos períodos é o que mais sistema de artes marciais desenvolveu sendo o Karaté-do (fundado por Funakoshi sensei identificado posteriormente pelo estilo Shotokan muito popular em Angola) e o Judo os mais conhecidos no mundo. Alguns estilos foram desenvolvidos para atender a fragilidade dos seus praticantes (caso do Judo sistematizado por Jigoro Kanu ou Aikido fundado por Muriei Ueshiba), outros foram desenvolvidos para defesa contra a subjugação dos senhores feudais como o Nunchaku (famosa matraca), Tonfa (forma de porrete com pega perpendicular utilizado modernamente pela polícia) entre outros sistemas de artes marciais que implicam a utilização de instrumentos geralmente agrícolas introduzidos pelos simples camponeses que se viam na necessidade de protegerem os seus pertences contra invasões; outras ainda desenvolvidas para o desenvolvimento espiritual, caso de Tai Chin Chua, a Maginata entre outras. 
Com a descoberta de pólvora e o aperfeiçoamento das armas de guerra, a maioria das artes marciais foram perdendo importância no plano militar. Hoje a verdadeira arte marcial é a arte da guerra por utilização de armas de fogo desenvolvida pelas forças armadas. Sendo as restantes legadas à categoria de desportos de combate com vista ao desenvolvimento físico e psíquico do homem. Diferem-se em geral das artes ou desportos de luta (como o Boxe, a Luta livre, o Greco-Romano, etc.), por estes não envolverem a elevação espiritual que os praticantes das artes marciais atingem. Não espanta que a provocação e a insuflação do rancor e ódio pelo adversário que resulta em vitória do atleta rancoroso no Boxe não tenha qualquer êxito no taekwondo, karaté-dó, kung-fu, hapkido, judo ou jiu-jitsu por exigir nesta a máxima concentração possível apenas com a serenidade do espírito. 
Ao contrário do que se vulgariza, a prática das artes marciais desenvolve a capacidade de se estar calmo mesmo em situações de extrema ameaça ou de grande perturbação. Só um praticante adestrado ou mestre de artes marciais pode esboçar um sorriso de calma transpondo benevolência e suavidade de espírito diante de um bando de assaltantes procurando tomar os seus haveres. A violência é gerada pelo medo e este pela falta de segurança individual. Um ambiente de medo é um ambiente potencialmente violento. Quanto mais se combate a violência com meios violentos mais ela aumenta. Já o versículo bíblico previu “quem com a espada matar com a espada morrerá”. A esposa constantemente espancada desenvolve uma “alergia” natural a qualquer forma de persuasão do esposo, por isso quanto mais se espanca o filho ou a esposa menos disciplinados se tornam diante das ordem do pai ou esposo. Eis a psicologia básica da violência combatida pelo artista marcial com a serenidade do espírito. Por isso, a alma violenta pela tensão do medo e instabilidade psicológica, relaxa ante a segurança alcançada pelo domínio das técnicas de defesa pessoal, da capacidade de auto-protecção. Vem daí, a auto-determinação, espírito indomável, preserverança, auto-domínio entre outros valores que estruturam o espírito do praticante de artes marciais. É falsa a ideia de que o praticante de artes marciais é violento. Essa ideia é veiculada pela acção de indivíduos que não atingiram o grau de elevação espiritual exigido aos mestres das artes marciais. Pois se é fácil vermos um graduado inferior (cinturão amarelo, verde ou azul) aos pontapés na rua é devido a factores emocionais próprios da falta de maturidade. É por isso, que não nos é fácil ver um cinturão negro em rixas sem causa justificável aparente. O praticante de artes marciais é ensinado a defender-se e não a agredir. E certas escolas, o praticante que luta na rua é castigado com a severidade máxima e de um modo geral os mestres dos sistemas de artes marciais são intolerantes com os praticantes arruaceiros. Mas entende-se, ser a fase da arruaça um período de transição para a fase “adulta” do praticante de artes marciais em que descobre a capacidade e habilidade técnica atingida vindo depois a fase da consciência letal dos golpes que domina e o perigo social que representa em caso de uso indevido das habilidades técnicas. Esta última fase é atingida a partir da graduação média-superior (cinturões vermelhos ou castanhos conforme arte marcial praticada). A partir do 1º Dan (primeiro nível dos do cinturão negro) a maturidade é incontestável. Os níveis entre o 4º Dan e 6º Dan são mundialmente reservados a categoria de instrutores superiores também conhecidos como Mestres e os níveis entre o 7º Dan e 9º Dan reservado aos Grande Mestres, como autoridades mundiais máximas na propagação das artes marciais. Em geral o 10º Dan é dado a título honorífico a uma única individualidade viva, normalmente regente mundial da arte marcial em causa. 
A prática das artes marciais é recomendada a partir da mais tenra idade. Desde os 3 anos o homem tem toda a vida para praticar artes marciais, pois não há reforma na elevação do espírito. Todas as crianças, sobretudo as traquinas e irrequietas, devem praticar artes marciais para desviarem a instabilidade psicológica ao treino metódico e disciplinado, compreenderem as emoções durante o crescimento, se prevenirem dos conflitos psicológicos e turbulências da adolescência pelo controlo do medo e acostumarem-se a disciplina e a ordem social no lar, na escola, na comunidade e no curso da própria vida. O treino nas artes marciais confere o espírito autónomo necessário para o empreendedorismo e sucesso profissional. Acostumado a vida austera do treino duro e orientado a descoberta das mais profundas capacidades físicas, o artista marcial não tem dificuldades em sobreviver em selvas estando perdido ou em ambientes que implicam habilidades especiais ou esforços físicos anormais como em situações de calamidade, desordem generalizada, guerras, etc. 
As crianças e adolescentes teriam melhor preparação para a prática de outros desportos e sobretudo para o treino militar se desde cedo os pais os incentivassem na prática das artes marciais. Não é por acaso que na China, Coreia e Japão a prática das artes marciais chega a ser obrigatória para todas as crianças integradas no sistema de ensino. Não sabem o quanto debilitam os filhos com a falta de educação física e mental, os pais que afastam, os filhos desta prática quando ligam as artes marciais ao puro treino para a violência. Os próprios pais, assolados pelo stress diário, pelas irregularidades das economias e pela insegurança do lar ou da sociedade devem praticar artes marciais a ver se recuperam o auto-domínio. Não há idade na prática das artes marciais. Aliás, mais se envelhece mais profundo se é na prática das artes marciais. Por isso a partir de determinados níveis de cinturão negro a graduação só é permitida mediante o alcance de determinada idade, sendo que a partir do 7º Dan apenas os indivíduos com idade superior a 50 anos de idade podem ter acesso. Alguns desportos como o futebol, basquetebol entre outros não permitem tanta façanha por exigir muito esforço dos seus praticantes. Porém, o artista marcial é ensinado a economizar as suas energias para a longevidade. 
Modernamente, as artes marciais, com excepção do Kung Fu, são também praticadas como desporto, havendo vários campeonatos em todo o mundo. Todos os anos milhares de atletas em todo mundo conquistam medalhas e prémios. Apenas o Taekwon-dó e o Judo são consideradas artes marciais olímpicas (representadas nos jogos olímpicos) por serem praticadas por mais de 200 milhões de atletas em todo o mundo. O Karaté-dó que também é praticado por larga maioria acima de centenas de milhões não é olímpico por comportar vários estilos, não sendo por isso mundialmente uniformizado como acontece com aquelas artes marciais. 
Em Angola temos o Karaté-dó, Taekwondó e Judo. Outras artes marciais como Jiu-Jitsu, Kung Fu, Capoeira, etc. vão firmando a sua presença entre os praticantes e entusiastas das artes marciais. Apesar disso o número de praticantes de tão ínfimo não justifica a importância desta prática. Provavelmente a falta de demonstrações públicas e a ausência de informação regular na comunicação social sejam as causas principais desta realidade. Não é de estranhar que os praticantes de artes marciais sejam em geral associados a vagabundos com vocação para malfeitores. Em Angola o Tae -kwon-dó conta com mais de 60 cinturões negros (sendo dois graduados a 5º Dan, quatro a 4º Dan, quatro a 3º Dan e os restantes repartidos entre 1º e 2º Dan) e centenas de atletas e praticantes diversos oficialmente controlados pela Federação Angolana de Taekwon-dó. 

Vida Cultural

Visto em: http://www.jornaldeangola.com/

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