Além de muitos troféus e medalhas acumuladas ao longo dos 39 anos de vida, Adilson Higa, faixa preta de judô e jiu-jitsu tem na bagagem uma história de força de vontade, superação e determinação.
Membro do Conselho de Faixas Pretas da Federação do Jiu-Jitsu Esportivo, o caçula de 11 irmãos e pai de cinco filhos conta aoCapital News como aconteceu o acidente em 2009 que fez com que ele perdesse o braço esquerdo.
Durante os quase 70 dias internado na Santa Casa de Campo Grande Adilson contraiu infecções e ficou em coma por 28 dias. O faixa preta de judô e de jiu-jitsu literalmente lutou contra si mesmo para poder contar sua história de vida e superação.
Capital News - Como você começou no jiut-jitsu?
Adilson Higa - Comecei aos 23 anos. Eu já era judoca e por um acaso, nos Estados Unidos encontrei um rapaz brasileiro com kimono nas costas e perguntei se ele treinava judô, ele disse que não, que treinava jiu-jitsu, e eu nunca tinha ouvido falar. Ele então me convidou para ver como era. Aceitei e me senti em casa, daí em diante comecei a treinar. Treinei durante um ano e meio. Mas a minha história nas artes marciais começa aos cinco anos de idade. Treinei judô dos cinco aos 26 anos. A partir dos 23 comecei a treinar o jiu-jitsu. Meu objetivo era pegar a faixa preta de judô. Então dos 23 aos 26 eu treinava o judô e o jiu-jitsu, depois que peguei minha faixa preta, no Japão, passei a treinar só o jiu-jitsu, o qual eu era faixa azul.
Capital News - Como você perdeu o braço?
Adilson Higa - Foi em um acidente de moto em setembro de 2009. Eu estava me preparando para voltar a competir no Pan-Americano em Salvador, em 2009. Foi quando aconteceu o acidente. Eu estava descendo na preferencial, a 30km/h, sozinho, na Marquês de Pombal, em Campo Grande, quando um caminhão atravessou e passou por cima de mim, que estava de moto. Meu braço foi arrancado na hora. Hoje é um milagre eu estar vivo. Perdi 80% do sangue do corpo, tive dilaceração no rosto, afundamento de caixa torácica. Após internado tive vários problemas de infecção. Fiquei em coma induzido durante 28 dias. Os médicos tentaram vascularizar o braço, mas ele não teria movimento nenhum, pois afetou os nervos, os músculos e fibras. Com o acidente meu braço foi arrastado no asfalto. Saí da Santa Casa 64 dias depois do acidente, 30 quilos mais magro, de cadeira de rodas, não conseguia falar direito. Tive infecção generalizada onde meus órgãos pararam de funcionar, só funcionavam o pulmão e o coração. Tive que fazer diálise, hemoterapia e mais uma série de coisas. Desde o hospital foi tudo uma batalha, mas sempre passou pela minha cabeça que eu queria sair dalí o melhor possível. A partir do momento que eu tomei consciência da real situação que eu me encontrava, tudo era uma incógnita: Como vai ser? Como vou me virar? Como vou trabalhar? Como vou sustentar os filhos? As questões da vida mesmo. Como eu iria enfrentar uma deficiência física? Como que eu ia fazer para viver bem? Saí do hospital tomando mais de 12 remédios por dia. Foi uma readequação à realidade. Como eu estava muito debilitado minha dieta não podia ser sólida, então tinha que estimular o organismo a querer comer. Era remédio para comer, para não vomitar, parador, anti-inflamatórios, anticoagulantes. Minha pressão alterou com a perda do braço, eu que nunca tive problema de pressão, tinha dia que ela chegava a 22 por 15. O coração nunca deu problema. Nunca fumei, nunca excedi em bebida alcoólica. Para minha idade na época, aos 37 anos, eu tinha a resistência de um adolescente, foi isso que me salvou.
Lutador de judô desde os 5 anos de idade, hoje, com 39, Adilson conta porque é um vencedor
Foto: Deurico/Capital News
Capital News - O que passou na sua cabeça após o acidente?
Adilson Higa - Não passava nada, só que acabou! Mas eu tive a ajuda dos amigos, principalmente do jiu-jitsu. Quando eu estava precisando de sangue houve uma campanha geral em todas as academias de Campo Grande. Teve uma adesão muito grande. Além de doarem para mim estocarem sangue na Capital durante 60 dias. Uma das poucas vezes que a comunidade do jiu-jitsu se uniu para fazer algo.
Capital News - Você sentiu algum tipo de preconceito após perder o braço?
Adilson Higa – Não. Meus amigos me chamavam para visitar a academia depois do acidente. Me senti na obrigação e fui agradecer a ajuda que eles me deram, só que um simples obrigada era muito pouco. Foi daí que eu senti que eu podia vestir o kimono e mostrar que eu podia treinar e passar um pouco das coisas que eu sabia para quem estava começando. Mas eu não alimentava grandes esperanças de seguir em frente. Meu objetivo era fazer alongamentos, melhorar o cardiovascular, minha cabeça trabalha e eu vou parando aos poucos o remédio. Comecei treinando três vezes na semana, depois eu ia todos os dias e depois de 30 dias nessa rotina parei de tomar oito remédios. Fui ao médico e disse que já estava me sentindo melhor. Consegui aumentar seis quilos. O único médico que mandou eu continuar com o remédio foi o cardiologista.
Olhando para trás e vendo tudo que aconteceu, Higa diz: “A vida continua...”
Foto: Deurico/Capital News
Saí do hospital em novembro de 2009, em fevereiro comecei a treinar, em abril eu participei de um campeonato onde, de três lutas eu ganhei duas e perdi na final. Isso me animou muito. Teve uma repercussão legal. Mas eu sentia uma dificuldade técnica em relação a luta. Então pensei, já que vou competir tenho que buscar soluções para ser competitivo. Em maio eu treinei um pouco por conta própria e em maio passei 15 dias na Bahia na academia do meu professor. Comecei a treinar todos os dias e participei de um campeonato Baiano, o qual fui campeão. Em junho voltei de lá com essa medalha e decidi continuar. No Pan-Americano em Brasília conquistei dois terceiros lugares. Daí por diante lutei mais três campeonatos, um deles me consagrei campeão estadual. Venci a seletiva do mundial na minha categoria, só não competi por falta de patrocínio.
Capital News – Você já chegou a se machucar em alguma luta?
Adilson Higa – Já, mas com tempo de treinamento o atleta pega resistência, mas já quebrei o braço duas vezes, quebrei dedo da mão, dedo do pé, já tive rompimento de ligamento do joelho, rompimento de ligamento no tornozelo, lesão de ombro, lesão de desvio de coluna.
Capital News - Depois que você perdeu o braço, o que mudou nas lutas?
Adilson Higa – Muda toda a estrutura de equilíbrio de corpo. Já vou completar 40 anos. Tem o estress muscular pelo ritmo de treino. Enquanto tem gente que treina três vezes por semana eu treino três vezes por dia, é um ritmo muito forte.
Adilson Higa – Muda toda a estrutura de equilíbrio de corpo. Já vou completar 40 anos. Tem o estress muscular pelo ritmo de treino. Enquanto tem gente que treina três vezes por semana eu treino três vezes por dia, é um ritmo muito forte.
Capital News - Depois que você perdeu um braço você teve que reaprender a lutar?
Adilson Higa – Sim, tive que reaprender. Desde as posições iniciais até as posições mais técnicas que eu vejo o pessoal fazendo e faço as adaptações para a minha realidade. Participei de vários seminários com vários professores e ficam admirados com minha capacidade de adaptação. Eles ensinam a técnica e eu consigo fazer a técnica melhor do que eles ensinam, pois eu uso o corpo por completo, e por não ter o braço esquerdo acabo fazendo com mais eficiência do que eles ensinam. A deficiência acabou virando uma eficiência. Você acaba melhorando o que o cara desenvolveu.
Capital News – Quando as pessoas vêem você lutando com um braço só e ganhando de pessoas com os dois braços, o que falam para você?
Adilson Higa - O que eu escuto é o que me move para eu continuar. Quando estou em alguma competição as equipes os professores o pessoal todo faz questão de vir tirar foto. Os jornalistas especializados das revistas me colocam como realmente um exemplo de superação, de que arte suave é um esporte de superação. Quando eu falo de superação, não é superar a perda de um braço, pois ele sempre vai fazer falta, mas de você superar a cada dia um objetivo pequeno que você coloca. Espero prolongar por mais uns três anos para competir em alto nível, depois eu vou aposentar. Hoje a minha categoria é acima de 100 quilos, e até mesmo pelo objetivo de não sofrer, eu não fico brigando com a balança, então eu tenho 105 quilos só que luto com gente 40 quilos mais pesado do que eu. Esse é o grande mérito destacado lá fora: a coragem! E cada vez que me vêem, cada vez mais acreditam no esporte que eles treinam e se dedicam. Pois é quase impossível você ter uma barreira corporal, competir em alto nível e estar entre os melhores do mundo. Hoje estou entre os três melhores da América e entre os 10 melhores do mundo.
Para o atleta o jiu-jitsu é um estilo de vida. “Vivo um estado de autoconhecimento para compreender que em toda situação de guerra ou paz existe dificuldade”
Foto: Arquivo Pessoal/Facebook
Capital News - Como você se sente estando entre os dez melhores do mundo?
Adilson Higa – É o que eu sempre digo para os meus alunos. Competição te traz o autoconhecimento de como você vai lidar com estas situações lá fora com atletas diferentes e cada vez mais competitivos e engajados dentro da técnica. Então, nunca é fácil. Nenhuma medalha desta foi fácil, todas foram suadas no pré, no durante e no após. No pré que eu falo é que quando você se propõe a ir para uma competição desta você tem que se preparar financeiramente, mentalmente, tecnicamente e fisicamente. Durante, você se adaptar, ver com quem vai lutar e rapidamente tomar uma decisão e se adaptar à exigência da luta. No pós é você saber que você foi e conseguiu e que isso é passageiro, então esse é o ensinamento que passo para eles. Toda essa repercussão e exposição para mim é o espelho do meu trabalho, só que é passageiro. Por exemplo, tenho medalha aí que atleta nenhum de Mato Grosso do Sul tem, mesmo eu tendo esta barreira corporal.
Adilson Higa – É o que eu sempre digo para os meus alunos. Competição te traz o autoconhecimento de como você vai lidar com estas situações lá fora com atletas diferentes e cada vez mais competitivos e engajados dentro da técnica. Então, nunca é fácil. Nenhuma medalha desta foi fácil, todas foram suadas no pré, no durante e no após. No pré que eu falo é que quando você se propõe a ir para uma competição desta você tem que se preparar financeiramente, mentalmente, tecnicamente e fisicamente. Durante, você se adaptar, ver com quem vai lutar e rapidamente tomar uma decisão e se adaptar à exigência da luta. No pós é você saber que você foi e conseguiu e que isso é passageiro, então esse é o ensinamento que passo para eles. Toda essa repercussão e exposição para mim é o espelho do meu trabalho, só que é passageiro. Por exemplo, tenho medalha aí que atleta nenhum de Mato Grosso do Sul tem, mesmo eu tendo esta barreira corporal.
Capital News - Em algum momento você já pensou em desistir?
Adilson Higa - Sempre tem um momento de desanimo, mas já faz muito tempo que não penso nisso. Depois do acidente são raras vezes. São momentos assim que você está num campeonato tomando um amasso de um cara 40 quilos mais pesado e você pensa que é muito mais fácil eu bater e desistir do que ficar tomando amasso e apertão no pescoço. É um esporte que você tem que vencer sua cabeça. A luta nunca é contra o seu adversário e sim contra você mesmo.
Capital News - Você sente que as pessoas te olham de forma diferente?
Adilson Higa – Com certeza. As pessoas vêem um cara alto e forte.... Mas consegui manter a cabeça tranquila com relação à deficiência e jamais me sinto excluído, diferenciado ou diferente. Tenho sim dificuldade de locomoção sim. Não tenho vergonha nem me sinto discriminado por eu ser deficiente físico.
Capital News – Quando foi a primeira vez, depois do acidente que você colocou um kimono?
Adilson Higa – Foi em fevereiro de 2009. Eu ficava pensando como ia amarrar a faixa e ficava evitando pedir para os outros. Mas com o tempo você vai perdendo o medo e hoje eu mesmo dou meu jeito de amarrar sozinho.
Capital News – Qual a sua opinião sobre o caso do rapaz que praticava jiu-jitsu, Christiano Luna, que está sendo acusado de ter matado o segurança de um bar em Campo Grande?
Adilson Higa – Christiano tem um passado um pouco conturbado com relação à luta e às atitudes dele, mas tem gente que faz pior. Minha opinião pessoal do que eu vi ali, não como professor nem como lutador mas minha opinião pessoal da situação, foi uma série de mal entendidos que resultou numa fatalidade. Um efeito cascata. Ele estava em um local público alterado pela bebida, o segurança despreparado, sem curso, sem qualificação, sem o registro de segurança para trabalhar, totalmente despreparado, pois, se fosse uma pessoa preparada dominava ele e o levava para um canto e chamava a polícia para resolver a situação. O que eu vi ali foram quatro seguranças batendo no rapaz, inclusive a menina que estava acompanhando Luna levou um soco, caiu e bateu a cabeça. Empurraram Luna para fora e a briga deveria ter acabado ali, mas continuou a agressão dos quatro contra um. Ele alterado de bebida. O cara vai se defender. Não foi nenhum golpe de jiu-jitsu. Qualquer pessoa naquela posição, com as costas no chão, vai espernear. Foi uma série de fatalidades na sequência: o excesso de bebida, a falta de preparo do segurança, a falta de orientação dos donos da casa, a atuação abusiva do segurança. A partir do momento que os seguranças colocaram Luna para fora o negócio passou a ser pessoal, eles queriam espancar o rapaz, que, ao tentar se defender bateu o pé na costela que perfurou o pulmão do segurança despreparado que estava acima do peso, gordo, não aguentou. Não estou defendendo Christiano, é a minha opinião.
Das 14 competições que participou de 2010 para este ano, esteve no pódio em 13; em somente uma conseguiu patrocínio
Foto: Deurico/Capital News
Capital News – Por que você sente essa dificuldade com a falta de patrocínio?
Adilson Higa - Infelizmente Mato Grosso do Sul não tem a cultura do patrocínio. As empresas ou não têm informação, ou a informação não é levada da forma correta ou simplesmente acha que dar R$ 200 vai resolver uma despesa de R$ 3 mil por competição. Já recorri a órgãos públicos municipais, estaduais, federais e empresas. Hoje estou construindo uma academia de primeiro mundo. Tenho mais de 150 alunos espalhados pelo estado. Eu e minha esposa fazemos um planejamento financeiro para que tenhamos condições de participar dos principais campeonatos. Das 14 competições que fiz de 2010 para este ano eu peguei pódio em 13. Em somente uma eu tive patrocínio. É um índice muito baixo. Falta cultura e boa vontade das pessoas quererem investir no esporte. Se você for parar para analisar Mato Grosso do Sul não tem nenhum ídolo no esporte. O futebol vive às moscas com um campeonato medíocre. Basquete e voleibol só em nível escolar, assim como o judô.
Capital News – Analisando toda a sua trajetória, o que você pode dizer de tudo que passou?
Adilson Higa - Eu não entendia o que os faixas-pretas de antigamente falavam, eu achava que era conversa. O jiu-jitsu é um estilo de vida. Vivo um estado de autoconhecimento para compreender que toda situação de guerra ou paz existe dificuldade. São ensinamentos das artes marciais. O espiritismo, minha descendência de japoneses e minha formação nas artes marciais me ensinou que o espírito deve estar preparado mesmo estando em paz. Sempre se conhecendo cada vez mais. Você só tem este conhecimento quando você se despe de qualquer sentimento de orgulho e pena. Eu vou fazer o que me faz bem, o que me deixa alegre com sorriso no rosto.
Capital News - Você andou de moto após o acidente?
Adilson Higa - Andei. O acidente foi uma fatalidade, não foi erro meu. Não tem porque eu ficar traumatizado. Ando de mototáxi numa boa. O caminhoneiro fugiu mas nós o achamos. Já vi ele na audiência. Ele me pediu desculpas. Fiquei decepcionado com a atitude dele de não assumir o erro. A vida continua...
"Falta cultura e boa vontade das pessoas quererem investir no esporte. Se você for parar para analisar Mato Grosso do Sul não tem nenhum ídolo no esporte. O futebol vive às moscas com um campeonato medíocre"
Foto: Deurico/Capital News
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