Este artigo inaugura a nova seção de Críticas no MMA Brasil. Eventualmente publicaremos críticas de livros e filmes relacionados a esportes de combate e, sempre que possível, atrelando a alguma promoção.
“A única coisa que veio com suavidade em sua vida foi a morte” – escreveu o jornalista esportivo Red Smith, no New York Times, no dia 31 de novembro de 1974. Ele se referia a James J. Braddock, o pugilista, campeão mundial dos pesos pesados entre 1935 e 1937. Braddock morreu durante o sono, em casa, na cidade de North Bergen, New Jersey, aos 69 anos de idade. Uma morte tranquila para um homem que desde sempre lutou contra tudo, quase sempre em desvantagem, para ter como viver.
Braddock foi um dos campeões mais populares da história do boxe norte-americano e mundial. Recebeu cartas de fãs até o fim da vida. Nunca uma semana se passou sem que sua caixa de correio recebesse um punhado de cartas de pessoas de todos os lugares do mundo. Pessoas que relatavam como suas vidas foram influenciadas por seu exemplo. Braddock era importante para a autoestima do homem comum, o trabalhador rotineiro de gostos simples. Mesmo aposentado, as pessoas o tratavam por “campeão” e, ao contrário do que acontece quando um ídolo sai da exposição midiática, Braddock era parado na rua para autógrafos e fotos.
O mais característico dessa admiração a Braddock era que ele era abordado não como um ídolo – coisa que ele de fato era – mas como um amigo, uma pessoa a quem não conhecemos, mas com quem supomos compartilhar uma certa intimidade. Afinal, Braddock era o povo, tornou-se campeão como representante do povo. Um campeão que sofreu as consequências da crise de 1929 como qualquer “pessoa de bem”, a ponto de pedir auxílio ao governo (naquela época, requerer este auxílio era a maior das vergonhas, mesmo que sob o argumento da queda da bolsa. Assim que pode, Braddock restituiu ao governo todo o dinheiro que havia recebido.). Um campeão que voltou ao seio do povo depois de se aposentar e terminou seus dias como o homem trabalhador que sempre foi. Quando morreu, era funcionário de uma fábrica de materiais de metal, que produzia vigas, chapas e o que mais precisasse para construção de pontes e viadutos.
A propósito, Braddock está no livro Fama & Anonimato, de Gay Talese, no capítulo “A ponte”, que é sobre a construção da ponte Verrazano-Narrows, liga Staten Island ao Brooklin, em Nova York. Talese fez uma obra-prima do jornalismo literário ao narrar o processo de construção de uma ponte e as vidas dos anônimos operários que a erigiram. Braddock é um dos personagens menores (porque não esteve diretamente ligado à construção) que aparecem entre o elenco principal de boomers, como eram conhecidos nos anos sessenta os trabalhadores da construção civil em Nova York.
À noite de 13 de junho de 1935, Braddock mais uma vez estava em desvantagem aos olhos do mundo, como sempre. Aquela noite marcou a data mais importante de sua vida, data pelo qual ele é lembrado até hoje: foi quando ele, um homem simples, mostrou ao mundo que é possível vencer qualquer obstáculo que nos apareça, à base de muita obstinação e valentia. Braddock iria disputar o título mundial dos pesos-pesados. O campeão, o temido Max Baer.
Temido, sim, mas humano. Temido porque destronou o gigante Primo Carrera e porque havia levado à morte um, talvez dois lutadores pela força dos seus socos. Embora tenha se tornado um pouco arrogante enquanto se preparava para lutar contra Carnera, comportamento que se prolongou até a luta contra Braddock, Baer era humano demais para ser o vilão da história, como parece ter sido transformado em filme recente. A arrogância de Baer vinha mais de sua vontade de aparecer e não de um sentimento intrínseco de superioridade em relação aos outros. Baer não se sentia superior a ninguém, nem inferior. Entrou para o boxe porque parecia um bom ganha-pão e porque tinha mãos poderosas demais para serem desperdiçadas carregando lenhas. Além do mais, queria ser famoso e ter dinheiro (como muitos). O boxe foi apenas a porta de entrada para Hollywood, onde fez alguns filmes e onde conquistou várias mulheres (a inalcançável Greta Garbo foi uma delas).
Eu diria que Braddock e Baer tiveram em comum um bom coração. Eram pugilistas honestos, que não inspiravam ferocidade nem alimentavam o mau exemplo. Porém, Braddock, ao contrário de Baer, nasceu e viveu para o boxe. Respirava boxe dia e noite. Machucou a mão direita tantas e tantas vezes que se tornou ambidestro (sua esquerda foi fundamental para a conquista do título), habilidade garantida pelos inúmeros trabalhos braçais que realizou quando foi fortemente golpeado pela queda da bolsa. Braddock, ao contrário de Baer, nunca foi um namorador ou, quando famoso, símbolo sexual. Namorou e casou-se com Mae Fox Braddock, a mãe de seus quatro filhos e apoiadora incurável do marido.
Mas ninguém foi tão doentiamente apoiador como Joe Gould, empresário e amigo de Braddock. Gould é um personagem importantíssimo na vida de Braddock. Ele sempre acreditou no seu amigo, mesmo quando as derrotas se acumulavam e a mão direta do seu agenciado insistia em piorar. Mesmo quando ambos não tinham um centavo no bolso e um, Gould, recorria a empréstimos para salvar a vida do outro, Braddock. Mesmo quando ninguém queria lutar com Braddock, porque seria uma luta sem valor, Gould sempre acreditou nele, e o levou a conquistar o título dos pesos pesados.
Se você quer saber como tudo aconteceu, e conhecer o mundo do boxe na era romântica dos anos vinte e trinta, leia a história de James J. Braddock no livro Homem Cinderela.
Recomendamos:
Homem Cinderela – James J. Braddock, Max Baer e a maior reviravolta da história do boxe, de Jeremy Schaap.
Objetiva, 2007, 345 págs., tradução de S. Duarte.
FONTE:
http://www.mma-brasil.com/livro-homem-cinderela-james-j-braddock-max-baer-e-a-maior-reviravolta-da-historia-do-boxe
FONTE:
http://www.mma-brasil.com/livro-homem-cinderela-james-j-braddock-max-baer-e-a-maior-reviravolta-da-historia-do-boxe
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